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Marcelo Pimentel Ela não tem gosto, cheiro ou cor, é tão barata e parece ser tão abundante que chega a passar despercebida, a ponto de nem entrar na planilha de custos do produtor. Estamos falando da água. Estudos realizados pela Embrapa Cerrados mostram que grande maioria dos produtores não sabe o momento exato de irrigar e, muito menos, a quantidade de água necessária para fazê-lo. Mesmo com toda sua importância para a agricultura, não há critérios técnicos e até racionais para seu uso. O principal problema está no gerenciamento da irrigação. Por hora, o desperdício de recursos hídricos, de energia e a queda na eficiência produtiva são o preço ser pago, mas essa conta pode aumentar Você sabe a hora exata de ligar ou desligar seu sistema de irrigação? Invariavelmente, a resposta à indagação é afirmativa. Pois bem. Agora pergunte para as plantas da sua lavoura se você o faz no momento certo e/ou na quantidade ideal. Acha que elas não podem responder, né? Engana-se. Elas respondem, sim, e na forma de produtividade. Mas para que você não tenha que perder tempo dialogando, por exemplo, com um pé de feijão, os pesquisadores Euzébio Medrado e Juscelino de Azevedo, ambos da área de engenharia da irrigação da Embrapa Cerrados, apressam-se em garantir que, muito provavelmente, você não sabe com precisão a hora e a quantidade de água a ser ministrada. Os pesquisadores da unidade de Planaltina, DF, vêm sistematicamente mobilizando esforços para levar informações sobre a importância de manejar corretamente a água de irrigação. São raríssimos os casos em que o agricultor utiliza algum critério racional para saber quando e quanto de água deve ser lançado. Mencionar apenas o desperdício de água, energia (que passa facilmente de 20%) e equipamento pode ser considerada uma forma até simplista de encarar o problema. Os efeitos negativos vão bem além. Experimentos realizados já provaram que a produtividade pode até cair em função do uso pouco eficiente da água. Solos encharcados dificultam a aeração e atrapalham também a atividade dos microorganismos. Além disso, propiciam surgimento de doenças, principalmente as fúngicas, e lixiviam nutrientes essenciais para as camadas mais profundas do solo, distantes das raízes. A principal observação feita pelos pesquisadores diz respeito à falta de critérios técnicos para a dosagem de água. Segundo o pesquisador Euzébio Medrado, o que muitos produtores rurais fazem é usar o método do bico da botina para saber se está na hora de irrigar. "Ele dá um chute no solo e se levantar poeira, irriga. Ou seja, constrói sua experiência de manejo de irrigação sobre de critérios irracionais. São raros os produtores que têm essa consciência de usar métodos que economizem água, apesar de não custarem muito". Para Juscelino de Azevedo, existem uma tendência de os agricultores usarem apenas o critério visual para detectar a hora de irrigar e a quantidade de água a ser usada. "É comum achar que a superfície do solo deve estar sempre umedecida e aí encharca-se o solo. A própria facilidade de acionamento de equipamentos, como no caso do pivô central, faz com que o produtor o ponha para andar todo dia na área". Aproveitamento Toda vez que se adquire um sistema de irrigação, seja ele pressurizado ou localizado, a necessidade é de se atender à capacidade máxima de consumo de água das culturas que vão entrar naquele sistema. Através do manejo da água de irrigação é possível elevar a eficiência de uso do recurso. Por exemplo, uma planta no início de seu desenvolvimento não tem a mesma exigência hídrica que terá no final do ciclo, logo o consumo na fase inicial será menor. Da mesma forma, após a maturação, a necessidade de água também será reduzida. Sendo assim, não se justifica manter os mesmos níveis de irrigação durante todo o ciclo da planta. O que os pesquisadores apregoam é o aproveitamento das diferentes etapas de vida da lavoura para reduzir custos de produção. Num exemplo prático, os pesquisadores aplicaram a técnica em uma cultura de trigo irrigado com pivô central e produziram cinco toneladas por hectare com 451 mm de água. Sem o método, seguramente esse consumo seria, pelo menos, 20% maior. Numa lavoura de feijão obtiveram 60 sacas por hectare com o uso de apenas 336 mm durante todo o ciclo. Para chegar a esse resultado, deixaram que o pivô funcionasse um total de 560 horas, com a realização de 18 regas. Sem esse controle seriam feitas normalmente cerca de 30 irrigações, o que equivaleria a mais de 930 horas de funcionamento do pivô. "Se jogássemos mais água do que o necessário, a produção poderia ser até menor, pois as condições de aeração no solo diminuiriam e atrapalhariam a atividade simbiótica dos microorganismos. O encharcamento pode representar perda de produtividade também por facilitar a manifestação de doenças por causa do excesso de umidade. Como é o caso do mofo branco no feijão irrigado. Enfim, além de perder produtividade e sem falar no desperdício de água, haveria maior gasto de energia, equipamento, mão de obra para manutenção", explica Medrado. Critérios A ausência de critérios expõe o produtor ao risco de aplicar água quando o solo ainda estiver muito úmido - literalmente, fazendo chover no molhado - ou quando o solo já estiver seco demais, significando sofrimento para a planta por deficiência hídrica. Pela importância de se evitar os prejuízos, diminuir os custos de produção e, principalmente, pela necessidade de preservação dos recursos hídricos, o manejo da irrigação é imprescindível dentro de qualquer sistema produtivo. O uso de critérios racionais, estabelecidos sobre bases técnicas, permite o gerenciamento otimizado da água e tem como principal aliado o simples e barato tensiômetro. Pesquisas com o aparelho, que serve para medir a pressão com que a água está retida no solo, associam os níveis da medição com o momento certo em que a planta está precisando de água e de quanto é a necessidade. Os tensiômetros são instalados com duas ou três profundidades diferentes. Com o tensiômetro mais superficial, colocado a 10 cm de profundidade, é possível detectar o momento da irrigação. Suas informações, somadas às dos outros dois (a 20 e a 30 cm de profundidade), servem para calcular a quantidade de água a ser aspergida. "Devemos conhecer as características de retenção de água do solo, através de análise de laboratório, e as características de aplicação de água do sistema de irrigação empregado. Com essas duas informações, mais as características da cultura, é possível montar uma tabela com a qual o próprio produtor consegue realizar o acompanhamento diário de leitura dos tensiômetros e decidir o momento e a quantidade de água a ser empregada. Todos esses cálculos podem ser feitos em formulários de papel ou eletrônicos", diz Medrado. Para que se tenha uma idéia dos valores. Os técnicos da Embrapa recomendam para, por exemplo, um pivô central de até 100 hectares, a instalação de três pontos de medida. Cada um também com três tensiômetros nas profundidades distintas. Seriam, portanto, nove tensiômetros. A um custo de R$ 200,00 cada um, sairiam a R$ 1.800,00. Haveria ainda a necessidade das curvas de retenção, que ficariam em torno de R$ 240,00. Azevedo lembra ainda da importância de se fazer a cada cinco anos uma avaliação de desempenho do pivô, que estaria por volta dos R$ 5 mil. Todo esse aparato, segundo os pesquisadores, teria um custo aproximado de 42 sacas de feijão. Pouco para um sistema que poderá ser usado por um longo período e que maximiza os resultados proporcionados por um pivô que pode custar de R$ 2 mil a R$ 2,5 mil por hectare. Híbrido De fácil manejo e baixo custo, o tensiômetro pode ter seu uso estendidos a qualquer sistema de irrigação e a qualquer cultura, até mesmo às perenes. Nestas, especificamente, Medrado explica que quando jovens as plantas apresentam um determinado nível de consumo, depois, na idade adulta, o consumo se estabiliza em outro patamar. Todavia, o clima muda e a planta evapotranspira de acordo com essas condições climáticas (mais radiação, menor umidade, menos nuvens), tudo isso provoca diferenças significativas no consumo para mais ou para menos. Se nos sistemas como pivô central, autopropelido ou convencional os técnicos indicam a exploração máxima da capacidade de armazenamento de água do solo e o espaçamento das regas para economizar água, nos sistemas de alta freqüência a estratégia é diferente. Em casos como microaspersão ou gotejamento, a recomendação feita é o que chamam de modelo híbrido de irrigação. "Como se trata de uma irrigação mais intensa, o solo úmido deve ser mantido úmido, por isso aconselhamos o uso do tensiômetro para monitorar o nível de encharcamento, mantendo-o dentro de uma determinada faixa. Normalmente, o produtor utiliza métodos baseados em medidas climáticas que não têm a precisão suficiente. Com o tensiômetro ele percebe se tem água demais ou de menos e ajusta a vazão. Nesse modelo, o tensiômetro diz a hora de irrigar, já, a quantidade de água pode ser controlada por qualquer outro método baseado em medidas climáticas", afirma Medrado. De acordo com Azevedo, os benefícios de uma irrigação localizada bem feita são muitos. E cita o caso da fruticultura, na atividade os ganhos são mais que proporcionais ao aumento de custos para se irrigar corretamente a lavoura. "O custo de uma lavoura irrigada é geralmente maior, mas vale a pena, Em Paracatu, MG, tem produtor tirando 50 toneladas de banana prata anã por hectare já no primeiro ano com microaspersão bem calculada. É lógico que resultados como esse não ocorrem simplesmente em função da irrigação, mas, sim, pela otimização de vários fatores, dentre os quais a água tem uma parcela importante de responsabilidade". Veja tabela com comparativo entre resultados obtidos com e sem irrigação em diversas culturas frutícolas. Qualidade Fazer chover no molhado é, de fato, um dos erros o mais freqüentes na irrigação. O produtor gasta em média 20% a mais de água do que necessita. Fisicamente falando, quando ele comete o erro o solo fica úmido na superfície e o excesso de água simplesmente evapora sem passar pela planta; ou seja, sem ter tido utilidade alguma. A água que passa pela planta leva nutrientes e auxilia no seu metabolismo. Outro dado importante é que mais de 95% da água que passa pela planta é devolvida para a atmosfera no processo de transpiração. É uma água puríssima. Em outras palavras, a planta usa capta uma água de menor qualidade e põe na atmosfera com melhor qualidade, que retorna ao solo na forma de chuva de melhor qualidade. Planejamento O manejo adequado é, na verdade, a outra metade de um sistema de irrigação. Para o pesquisador Azevedo, toda a eficiência do modelo começa ainda no projeto, com um planejamento bem feito e executado. Para isso, devem ser levados em conta fatores como a vazão do curso d'água nos períodos mais secos do ano (no cerrado, setembro e outubro) para que não falte água para a plantação; as lavouras que serão trabalhadas, e até o dimensionamento da tubulação que não deve ser maior ou menor que o necessário. Ele diz que é comum o produtor procurar uma empresa de irrigação e encomendar um equipamento sem ter qualquer projeto de irrigação previamente elaborado ou quaisquer termos de referência das características de sua área, como perfil do solo, quantidade e qualidade de água e energia disponível. Esse dados são essenciais e permitem a realização de um projeto mais fundamentado técnica e economicamente. "Outro problema recorrente é o produtor encomendar um equipamento pensando numa determinada cultura e esquecendo as outras que também entram no sistema de rotação. Ele pede um equipamento para o feijão e depois se vê obrigado a plantar milho, que requer mais água. Nesse caso, nem o manejo correto pode ajudar". O ideal, segundo Azevedo é que a elaboração de um projeto com um especialista leve ainda em consideração a engenharia do projeto, segundo a qual decide-se se a água deve ser puxada de um curso d'água ou de um canal colocado estrategicamente numa posição mais favorável para acumular durante as horas que ele não estiver irrigando. Cobrança Já é possível detectar algum crescimento da consciência da necessidade de economizar energia e até de preservação dos recursos hídricos. Existe, porém, ainda uma grande resistência ao uso do tensiômetro. O que, na opinião de Medrado, se dá em função do fato de a água ainda ser muito barata como insumo. "Para a esmagadora maioria dos produtores, a água simplesmente não entra na conta dos insumos. A única coisa que ele considera é a quantidade de energia gasta para fazer o equipamento de irrigação funcionar, mas ignora completamente o valor da água, a qualidade que ela deve ter e a quantidade que deve continuar escoando no sistema. Ele não considera, por exemplo, que existem outros seres vivos dependendo daquela mesma água, as matas de galeria, os peixes, os animais. O homem consome a água de forma irracional. É uma realidade triste, mas tem de ser divulgada. É com o intuito de repassar a informação para técnicos e produtores que estamos promovendo inúmeros eventos. A receptividade tem sido boa", explica Medrado. Para os pesquisadores, há uma tendência de que o uso da água para irrigação venha a ser cobrado no futuro. Se por um lado isso pode representar o aumento dos custos de produção, por outro, significa, ainda que forçada, a criação de uma cultura de zelo por um recurso que é finito, importante e escasso. "Quando o recurso é oferecido de graça, há uma tendência natural de utilizá-lo irracionalmente. Hoje, nas áreas com grande concentração de perímetros irrigados já começam a surgir problemas, como é o caso da região Noroeste de Minas Gerais, onde existe uma das maiores áreas contínuas de irrigação do país. Muitos produtores usam a mesma fonte de água. Se o agricultor instalar um pivô numa área de nascente e não explora racionalmente o recurso, quem estiver mais abaixo no curso d'água terá problemas de captação", diz Azevedo. |
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